Um sobreiro no Rossio
Carlos Lopes
Tronco de uma vida triste e só
Fado de revolta e guerra
Lago de desamor que faz dó
Ou apenas esse nó
Nas saudades da sua terra
Saudades de uma vida que não viveu
De um amor perdido no tempo
De searas beijadas pelo vento
Nó de mil palavras e poemas
Envoltas no perfume da paixão
Vividas numa sociedade em contramão
Desamor em calçadas pintado
Ou ouvindo as cigarras no monte
Onde luminosa bica é a sua fonte
Guerra à injustiça e à guerra
Na paz de uma madrugada de fé
com hortaliças frescas e torradas com café
Vida adiada pela utopia
Chorando passados sem nexo
Ou apenas muitos amores e pouco sexo
Pombo ferido na asa
Floristas de pouca atenção
Estátua de bronze em brasa
Fez da cidade a sua casa
Com raízes num bom coração
Coração que um dia parou
Nesse porto onde a poesia foi atracar
Como um velho eléctrico que um dia deixou de andar
Na cidade que o viu crescer
Ou na outra que o fez nascer poeta
Alvitro que ele também foi um grande lisboeta
Nas brasas há porco preto
No prato azeite com alfacinhas
e sobre a mesa doces licores de amarguinhas
Flores cobrem vastos campos
Inundados de pinhas e bolotas
Onde corre descalço sem as apertadas botas
Como um pombo fugindo para casa
De imaginários caçadores no milheiral
Oh ! é apenas um velho motor a queimar mal
Amores frustados chorou
Em beijos molhados na ramada
Na planície do Tejo sonhou
E um dia acordou
No Martinho da Arcada
Arcada da mais pura inspiração
Mesa que o liga à musa encantada
E à sua escrita poética romântica e magoada
Acordou um dia suado ao sol escaldante
Como chávena de água no capot de um carro
Ou apenas a sombra do Tejo num chaparro
Tejo com braço de mar
Salgado pela cal branca das ruas desertas
e pela vida vivida numa negra Avenida das Descobertas
Versos molhados de ansiedade
Medos de perder até o amor de mãe
Dor, pena e isolamento na sua Torre de Belém
Onde chorou na amarga solidão
Lamento de sua triste sina
Quadras gritadas como o pregão de uma varina
Verdade seu trânsito interior
Num eléctrico de lua nova
Só a sua poesia tem cor
E próximo restaura dor
Nas leis de Deus que não aprova
Um Deus a quem pede perdão
Pela culpa que lhe queima a alma
De ter saído dessa terra que tanto acalma
Dor da saudade da torre da igreja
E da serenidade da ponte medieval
Que declama em estrofes em cantos da capital
Poesia sentida e triste
Nostalgia de uma infância de felicidade
Adulto amargo por causa da humanidade
Lua nova de um tempo novo
Vivido numa liberdade surrealista
Defendendo desfavorecidos, assumido anti-fascista
Só a verdade lhe importa
Com a coragem de ser quem pensa ser
Oscilando entre ternos sentimentos e a mania de sofrer
Serenidade é apenas poema
Sofrimento é tudo que ele é
A escrita é seu Palácio da Pena
Árvore perdida nessa arena
Entre a Liberdade e o Sodré
Cais do Sodré ou das colunas
Rio de lágrimas contidas na voz
Contra tudo. Contra todos. A favor de nós.
Árvore que abana mas não cai
Flor à espera de ser fecundada
Entre um café, um cigarro e uma limonada
Escrita afiada e acutilante
Tocando as feridas de uma sociedade doente
Ou somente laivos de raiva de um amor ausente
Sofrimento cada dia mais dorido
Rumo ao desespero à sua maneira
Entre o Alentejo, Lisboa, Porto e Cerveira
Poema de libertação
Vermelho vivo sobre azul anil
Entre o campo e a cidade, pela ponte 25 de Abril
Set 2008
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